moreira salles botafogo João Moreira Salles ‘repassa’ 2023, revela histórias de torcedor e faz texto incrível sobre por que ser Botafogo: ‘É minha identidade’

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João Moreira Salles ‘repassa’ 2023, revela histórias de torcedor e faz texto incrível sobre por que ser Botafogo: ‘É minha identidade’

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Por FogãoNET

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Reprodução/SporTV/Globoplay

Documentarista e torcedor ilustre, João Moreira Salles escreveu um belíssimo texto de dez páginas na edição de março da “Revista Piauí” sobre por que ser Botafogo. Ele repassou toda a trajetória do clube no Campeonato Brasileiro de 2023 sob sua ótica de torcedor, mas o principal foi sua conexão com o Glorioso e histórias com outros alvinegros.

Sobre o Brasileirão, João Moreira Salles contou sobre o início sob desconfiança, o fortalecimento do time, o aumento da média de público, a saída de Luís Castro, a passagem conturbada de Bruno Lage e o fim melancólico. Ele citou ainda a concentração de recursos no futebol nacional, a exemplo do que já acontece em grandes ligas do exterior.

João Moreira Salles fez alguns relatos pessoais de sua experiência nos melhores momentos de 2023.

Algum tempo depois (da vitória sobre o Palmeiras no primeiro turno), recebi de um amigo mineiro, grande botafoguense, um e-mail curto. “Uma só pergunta”, dizia o campo do assunto: “É o melhor Botafogo que você já viu?” Se era o melhor eu não sabia, mas respondi que, sem dúvida nenhuma, era “o mais fácil de amar”. E, como a mensagem tivesse chegado depois de mais uma vitória nossa (4 a 1 contra o Coritiba, dois gols de Tiquinho), confessei: “Ontem – ai, ai, ai – chopassado rei na hora da virada. Em pleno estádio, me debulhei em lágrimas. Que coisa… – escreveu.

Existe uma foto minha no Nilton Santos, tirada em seguida à vitória por 2 a 0 contra o Bragantino, em julho do ano passado. Só soube dela depois, quando um amigo me mostrou. Estou de costas para a câmera, de braços abertos para a torcida. Muita gente, imagino, fez o mesmo gesto logo que o juiz apitou o fim do jogo. Era a resposta instintiva do corpo ao que sentíamos por dentro, uma conexão profunda com os outros, uma dissolução da parte no todo, como se as barreiras entre nós e o mundo tivessem sido suspensas. Durante os meses de deslumbramento, quem fosse ao Nilton Santos saberia o que é ser multidão. Você é velho, jovem, saudável, gordo, magro, homem, mulher, e na hora isso se torna irrelevante porque você virou uma coisa só, uma coisa muito grande da qual não se enxerga a borda. É um sentimento poderoso. Quem experimenta não quer mais se privar. Um amigo, pesquisador importante na área ambiental, estava na Polônia por razões de família. Sexta à noite, encerrada a visita aos parentes, saiu às pressas, cruzou a fronteira e foi dormir em Praga; acordou de madrugada e embarcou num avião para Paris; de lá, em voo diurno, seguiu para o Galeão, onde aterrissou às 20h15; pulou num táxi de mala na mão e, pouco depois das 21 horas, entrou no Nilton Santos para ver o Botafogo vencer o Fortaleza com dois gols de Tiquinho. O que ele queria, o que todos nós queríamos durante aqueles meses, era viver o momento em que deixamos de ser nós mesmos e passamos a ser todos. Passamos a ser Botafogo. Não botafoguenses – Botafogo. O clube éramos nós, a vitória deles era a nossa vitória, o gol do Tiquinho era o nosso gol, um gol do qual nos orgulhamos pessoalmente, como se todos nós – eu, o meu amigo da Polônia, cada torcedor no Nilton Santos – tivéssemos posto a bola lá dentro. Há algo de inexplicavelmente narcísico nessa experiência. Em agosto, mandei para o meu filho o link de uma mesa-redonda em que todos se derramavam em elogios ao Botafogo. Ele respondeu: “Eu fico até sem graça.” “Estranho, né?”, devolvi; “Parece que tão falando da gente. Encabula.” A foto no Nilton Santos é o registro de alguém que não tem passado nem futuro, só presente, e naquele instante o presente não tem hora para terminar, é sem fim. Todo torcedor vive algo parecido. Logo, não sendo privilégio dos botafoguenses, não é exatamente disso que quero falar aqui. A imanência é real, mas passa. O que me interessa é o que vem depois, a necessidade de encontrar um enredo do qual eu, como botafoguense, seja personagem. O que me interessa é o impulso de lembrar depois da coisa acontecida. Lembrar de estar dentro, sim, não do momento, mas da trama. No fim das contas, a multidão é feita de pessoas – acrescentou.

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Em outros momentos, o escritor comentou sobre a desconfiança e a decepção.

Em fins de agosto, quando o Botafogo ainda estava 11 pontos à frente do Palmeiras e Bruno Lage começava a acumular empates, escrevi para o meu filho: “O Palmeiras me assusta porque é um time acostumado a vencer. Nossa torcida tem sido heroica, mas não se pode pedir que de uma hora para outra se comporte como a torcida do City ou do Real. Somos traumatizados, e por boas razões. Se apertar demais, o nervosismo se transferirá para o campo, é inevitável. Confiança de americano é coisa que só vem depois de ganhar a Guerra Mundial e colocar o homem na Lua. A gente ainda precisa passar por isso” – brincou, em referência a John Textor, elogiado por ele em outra parte do texto.

A nossa decepção foi do tamanho da nossa esperança. Depois de meses de um sentimento oceânico de irmandade, cada um de nós foi obrigado a voltar para a sua solidão. A queda é particularmente dolorosa para os mais velhos. Nos piores momentos, ela significa a consciência (talvez prematura, não importa) de que aquela experiência dificilmente se repetirá no nosso tempo de vida. Ser parte da multidão feliz depois de décadas, isso acabou. Nesse sentido, é um luto. A apreensão de um fim. Difícil imaginar como outras torcidas reagiriam. Nós, botafoguenses, temos nossas estratégias de sobrevivência, desenvolvidas ao longo de décadas de decepção – citou.

João Moreira Salles contou ainda histórias marcantes com botafoguenses que resumem bem o que é ser Botafogo. Leia abaixo:

Então por quê? Por que torcer? O que sobra de tanto investimento emocional mal correspondido? Aí é que está: sobra a torcida. Não qualquer uma, mas esta torcida. Sobra a sua beleza, a sua integridade. Sobra muita coisa. É a respeito disso que eu queria escrever. Steve Harris, baixista da banda Iron Maiden, é um torcedor apaixonado do West Ham, clube londrino de raízes operárias cuja época de ouro são os anos 1960. Recordando uma partida em que o West Ham vencia por 3 a 0 e quase entregou o jogo nos últimos minutos, Harris balança a cabeça e ri: “Toda uma vida de sofrimento…” O repórter que o entrevista, também torcedor do clube, escreve: “Esse tom é familiar a todos nós: desejamos ter feito escolhas diferentes, mas também agradecemos o dia em que fizemos esta escolha.” Muitos botafoguenses se reconhecem nessa formulação, sobretudo em relação à ideia de agradecimento. Um amigo com quem almocei depois das derrotas para Palmeiras e Grêmio sofria com o sofrimento do filho: “Por que eu fiz isso com ele?”, penitenciava-se. “Por que eu passei pro meu filho essa certeza do sofrimento?” O lamento dizia respeito apenas ao menino, nunca a ele próprio. Não conheço nenhum botafoguense que tenha se arrependido da escolha que fez (e fica para outra hora discutir se é mesmo uma escolha). Nenhum voltaria atrás – e, vamos combinar, isso exige explicação.

– Em 2019, passei alguns meses no Pará para escrever a série Arrabalde, sobre a Amazônia. Num fim de semana em Belém, visitando a feira de livros da cidade, percebi que um rapaz me seguia pelos corredores dos estandes. Eu dobrava uma esquina, ele dobrava a esquina. Eu parava, ele parava, sempre a cinco ou seis passos de distância. A coisa seguiu assim por algum tempo, até que uma senhora me abordou. “Você é o João Salles?” Assenti. “Desculpa. É que eu estou com o meu filho ali e ele é muito tímido. Ele queria muito falar com você, mas está passado de vergonha. Você pode dar um minuto pra ele?” Podia, claro. A mãe acenou para o rapaz, que se aproximou sem tirar os olhos do chão. Tinha uns 16 anos e sinais de acne adolescente no rosto. Estendi a mão. Ele tentou dizer alguma coisa, mas travou. Quis ajudá-lo, e, como estávamos num ambiente de leitores, arrisquei: “Você gosta de jornalismo e lê a Piauí?” Ele arregalou os olhos e se virou para a mãe. Além de encabulado, agora estava confuso. Afoito, mudei a chave e pulei para outra atividade minha: “Ah, você gosta de cinema e se interessa por documentários?” Piorou: ele soltou um gemido, sofria cada vez mais e não entendia uma palavra do que eu dizia.

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– Eu tinha esgotado a minha munição. “Será que você tá falando com a pessoa certa?”, perguntei. Ele confirmou com a cabeça. “Então como posso te ajudar?” Criando coragem, ele murmurou: “É o Botafogo.” A situação do time claramente determinava parte não insignificante da alegria e da tristeza do rapaz. Naqueles dias, lutávamos para escapar do rebaixamento. Como se não bastasse, a nossa situação financeira era crítica. Eu vinha participando de um esforço coletivo de captação de recursos para ajudar o Botafogo a respirar um pouco, e por isso talvez o rapaz imaginasse que eu poderia saber de alguma boa novidade sobre o nosso clube do coração (não sabia). “Teu pai é botafoguense?”, perguntei. “Não”, ele respondeu. “Tua mãe?” Não. “Um tio, um irmão, um padrinho, um parente?” Não. “Um amigo de escola?” Também não. Eu estava ficando ansioso. “Então por que você é Botafogo?”, insisti. Ele entendeu que falávamos a mesma língua e respondeu de bate-pronto, me olhando pela primeira vez nos olhos: “Não sei, só sei que o Botafogo é muito importante pra mim.” Quando era mais novo, tinha visto um jogo pela televisão e soube na hora: Esse era o meu time e eu não ia conseguir torcer pra mais ninguém. Não consigo não pensar no Botafogo.” Nunca me esquecerei desse encontro. De todas as escolhas que um adolescente tímido e socialmente desajeitado pode fazer para se tornar mais popular, virar botafoguense não é das mais indicadas. Que esse jovem esteja em Belém, a mais de 3 mil km do Rio de Janeiro; que more numa cidade onde raramente acontece um jogo do Botafogo; que ele não tenha idade para ter visto o seu clube erguer alguma taça relevante; que tenha sofrido as tantas decepções dos muitos anos de vigência da nossa mediocridade; que, apesar de tudo, não tenha desistido; e, principalmente, que o seu amor seja gratuito, sem influência de parentes ou de amigos, fruto portanto de uma eleição soberana, que esse rapaz seja o resultado desse conjunto de circunstâncias tão raras – isso é em tudo maravilhoso. Pede um tipo de pessoa especial, capaz de decidir por si o seu caminho, indiferente à sedução da popularidade. É mais seguro e reconfortante fazer parte da maioria.

O encontro também me fez compreender algo sobre mim. Me lembro de sentir uma ponta de orgulho ao me dar conta de que o rapaz me reconhecera por eu ser botafoguense. Para ele, era essa a minha identidade; para mim também é. Intimamente, o que me faz Botafogo me descreve bem mais do que o que me faz documentarista, por exemplo. Não sei explicar por quê. O que posso dizer é que estou mais à vontade na minha pele quando penso que sou Botafogo do que quando penso que sou alguém que faz filmes ou que escreve para a revista. Não sei se alguém escolhe o time de futebol pelo qual torce. Como para o menino de Belém, cujo nome infelizmente não guardei, virar botafoguense talvez estivesse inscrito na minha sina, mais ainda do que na minha vocação. Como se ele e eu não tivéssemos a liberdade de não ser alvinegros. Como se fôssemos predispostos por temperamento a torcer por esse time.

– No meu caso, a razão está antes de tudo na torcida. Depois de décadas de estádio, hoje eu sei o que não sabia aos 20 anos: sou Botafogo não apenas por causa da camisa (linda), não apenas por causa do escudo (tão bonito que fecha todos os artigos desta revista), não apenas por causa da nossa história; não sou Botafogo nem mesmo apenas por causa de Garrincha, Nilton Santos, Didi, Jairzinho, Nei Conceição, Mendonça, Donizete, Loco Abreu, Adryelson ou Tiquinho. Sou Botafogo sobretudo por causa dos torcedores. Quanto mais um time perde, mais se exige da torcida. Inversamente, quanto mais um time ganha, menos se pede dela. Vitórias e desprendimento se excluem mutuamente. Jamais a torcida botafoguense foi tão valente quanto no ano de 2023. E isso porque nunca o time esteve tão perto da humilhação, quando não da desonra. Quando a vaca já estava com três patas no brejo, cruzei na rua com um pai barrigudinho e sua filha pré-adolescente. Os dois vestiam a camisa do Botafogo, alheios ao risco das gozações que àquela altura começavam a pipocar na cidade. Fui até eles e elogiei o brio. “Brio por quê?” “Por causa das viradas, dos gols no último minuto, do campeonato que estamos entregando”, respondi. “Você é Botafogo?”, perguntou o pai. Sim. “E tá desanimado?”, prosseguiu com certa rispidez. Olhei para a filha, que me fez um sinal aflito de pelo-amor-de-Deus-não-envereda-por-aí-não. Ela ainda tentou contemporizar: “Pai…” Mas o pai não queria conversa: “Você não é um botafoguense de verdade. Nunca foi fácil. Se você já desistiu é porque não entende o que é ser Botafogo.” “Paaaai…”, a filha implorou. Antes que eu conseguisse me defender, ele a tomou pela mão, os dois me deram as costas e seguiram em frente. Fiquei ali, pasmo. E certo de que sou botafoguense por causa de gente como eles. Porque é difícil não admirar uma capacidade tão grande de amar sem exigir recompensa. Contei a história ao amigo da rota Polônia-Nilton Santos, fazendo o elogio desse amor gratuito que é condição do torcedor botafoguense. Ele balançou a cabeça: “É menos que gratuito. O saldo é negativo.” Exagero dele, às vezes sobra uns trocados, mas de modo geral ele está certo. Costumamos dar muito mais do que recebemos em troca.

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Cada botafoguense que segue para o estádio carrega essa esperança. Afirma-a. Ele não arreda da trincheira, convencido de que os outros não vencerão sempre. No que não chega a ser um paradoxo, apenas uma vicissitude da condição alvinegra, o valor da sua resistência será tanto maior quanto maior for o peso da promessa não cumprida, o gol tomado no último minuto, o campeonato perdido na última meia hora. Não é o que sonhamos. Trocaríamos essa bravura por um título sem piscar, mas enquanto ele não vem a realidade é esta: mais o time perde no gramado, mais comovente e bela parece ser a torcida na arquibancada. Posso antecipar as críticas: “Ah, isso é fantasia de derrotado.” Falso. Vencer é o objetivo, mas se a vitória ainda não veio o que existe é a trincheira. Quem estará dentro dela? Quem não estará? Igualmente justo é perguntar se aqueles que cerram fileiras com vencedores habituais serão mais ou menos dignos do que aqueles que insistem em se entrincheirar com os menos fortes. Durante a Segunda Guerra Mundial, os ingleses tomaram muita bomba na cabeça antes de virar o jogo; no Vietnã, passaram-se cerca de quinze anos antes que os vietnamitas pusessem os americanos pra correr. A vitória de uns e de outros é admirável, assim como o fato de terem resistido. Nos anos mais difíceis daqueles conflitos, admirar a capacidade de resistência não seria tomado como romantização da derrota. Seria apenas expressar um sentimento em nada controverso: quem não joga a toalha merece consideração e respeito.

Na semana em que o campeonato de 2023 chegou ao fim, viam-se pelas ruas do Rio muitas pessoas com a camisa do Fluminense, do Flamengo e do Vasco. Esses times comemoravam títulos conquistados, classificação para copas importantes ou, no caso do Vasco, um heroico esforço para escapar do rebaixamento. O que não se via eram camisas do Botafogo. Tinham sumido da paisagem. Sei disso porque elas me confortam e eu tenho olho para encontrá-las. Num final de tarde, na academia, em meio a rubro-negros e tricolores, uma menina ruiva fazia seus exercícios vestindo a nossa camisa. Não passava dos 15 anos. Quando ela atravessou o salão em direção à saída, altiva, alheia à circunstância, pensei: enquanto existir alguém como ela, o mundo ainda tem jeito.

O texto completo está na “Revista Piauí” de março, que pode ser comprada em bancas ou lida com assinatura digital. Vale a pena.

Fonte: Redação FogãoNET e Revista Piauí

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